Uma supermáquina de informação oficial ao custo de
90 milhões de reais por ano, capaz de causar inveja a qualquer saudosista do antigo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) da ditadura Vargas é assim que o
repórter João Domingos, de O ESTADO DE S. PAULO, descreve o sistema que o governo Lula
está implantando. Em matéria publicada dia 14 do corrente, o jornalista afirma que o
custo compreende somente a Radiobrás, com 1.150 funcionários, sem estar acrescido de 75
profissionais com funções no Palácio do Planalto. Eis, a seguir, a íntegra da
reportagem. "Planalto cria supermáquina de
informação oficial
"Radiobrás é ampliada para levar noticiário do governo, de graça, a 100
milhões de pessoas
"JOÃO DOMINGOS
- "BRASÍLIA - Com 1.150 funcionários, ao custo de R$ 90 milhões por ano na
Radiobrás, mais 75 profissionais no Palácio do Planalto e um sistema de pronta resposta
e de correção das notícias "equivocadas", na Secretaria de Comunicação, o
governo está adotando uma nova estrutura de comunicação com pretensões que vão além
do mero aperfeiçoamento da máquina de divulgação oficial. Trata-se de um projeto
montado para alcançar - com noticiário oficial e gratuito - um público estimado em 100
milhões de pessoas em todo o País.
- Em função do projeto de expansão do noticiário, a Radiobrás já iniciou uma ampla
reestruturação de sua equipe, demitindo antigos funcionários de carreira e atraindo
profissionais da iniciativa privada com salários competitivos. Hoje, a estatal mantém
220 jornalistas, com salários que variam entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil. Os que estão sendo
contratados chegam para funções de confiança, com salários de R$ 6 mil a R$ 8 mil.
- A operação resulta num agigantamento do noticiário oficial, jamais atingido nem
durante ditaduras como a de Getúlio Vargas, em que tudo era controlado pelo célebre
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) - montado com os melhores profissionais, que
recebiam os maiores salários. "É o DIP do século 21", escandaliza-se o
ex-deputado Prisco Viana, político que testemunhou meio século de ditaduras.
- O governo procurou inspiração no Primeiro Mundo. O jornalista Bernardo Kucinski,
assessor especial do ministro de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken, fez um estágio
na Inglaterra e agora está nos Estados Unidos, para ver como funciona o sistema de
comunicação da Casa Branca. É dele a idéia de criação do sistema de pronta resposta,
em que as redações dos jornais são atulhadas de cartas de reclamação contra o
noticiário considerado "incorreto".
- Às vésperas das eleições municipais, o projeto desperta reações na oposição e no
próprio PT, que enxergam detrás da iniciativa do governo a tentativa de uniformizar o
noticiário a seu favor. "Essa é mais uma etapa da estratégia petista de
aparelhamento do Estado", acusa o presidente do PSDB, José Aníbal.
- "Quem detém o poder e quer o monopólio da comunicação, vai ter o controle de
tudo. Sempre combatemos isso", reclama o deputado Walter Pinheiro (BA), ex-líder do
PT. "Fico muito preocupado quando governos entram na área de comunicação, embora
alegando os melhores propósitos. Os riscos de distorção e manipulação do noticiário
são muitos grandes", completa o senador Jéfferson Peres (PDT-AM).
- Cobertura - As afirmações se sustentam em outro
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- fato que chama a atenção no projeto: o governo passa a fazer a cobertura jornalística
em todos os campos, não se restringindo mais à divulgação dos acontecimentos oficiais,
e oferece esse noticiário gratuitamente, privilegiando seu enfoque dos acontecimentos.
- Esse noticiário chega a uma rede que historicamente edita seus noticiários com base na
cobertura das agências de notícias privadas, e é composta por mais de mil emissoras de
rádio e retransmissoras de TV e mais de mil jornais. Nos 60 munícipios com mais de 200
mil habitantes, esses distribuidores de informação já começaram a receber do governo,
gratuitamente, receptores de notícias via satélite.
- No esquema de fortalecimento das notícias oficiais dentro da nova sistemática, o Banco
do Nordeste financiou uma série de reportagens sobre a fome no Brasil, distribuídas e
publicadas de graça, com texto e fotografia.
- Os fotógrafos das agências e dos jornais dificilmente têm acesso a cerimônias fora
do gabinete do presidente, onde só trabalha o fotógrafo oficial. Dois exemplos: o da
cadela Michelle no colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sala de cinema do
Palácio da Alvorada e a entrega da égua criola ao presidente na Granja do Torto, há
duas semanas.
- Outro exemplo é o de Lula tocando violino e a prefeita Marta Suplicy, violoncelo.
Acrescente-se o fato de que só o assessor de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho,
assistiu ao encontro do presidente com o arquiteto Oscar Niemeyer, e produziu um texto que
foi reproduzido por O Globo.
- Além de qualificar seus conteúdos, o setor de comunicação já realiza uma cobertura
que abrange desde partidas de futebol da segunda divisão até eventos culturais, passando
pelo dia-a-dia do Congresso e do Judiciário, cenários internacionais, como a Guerra do
Iraque, e indo até a simples informação sobre a participação de uma anônima
cooperativa no festival de Inverno de Bonito (MS).
- Exagero - O governo oferecerá um noticiário social, político, econômico, cultural e
esportivo com o enfoque de seu interesse. Apesar disso, a socióloga Aspásia Camargo acha
exagerada a comparação com o DIP. Uma das maiores estudiosas da ditadura Vargas, ela
acha que naquela época havia o monopólio total da comunicação.
- "Hoje, mesmo que o governo ofereça facilidade e gratuidade, as pessoas têm
espírito crítico para escolher o que é ruim e o que não é. Existem também as
agências de notícias que podem ser consultadas por todos, permitindo comparação na
hora. Por fim, ao contrário da Era Vargas, os jornais escrevem o que querem contra o
governo, sem censura nenhuma."
- O PSDB discorda. "Daqui a pouco só as notícias de interesse do governo serão
publicadas", alerta Aníbal. A iniciativa do governo acende polêmicas e provoca
reações indignadas. De um lado, questiona-se a legitimidade de ampliar a cobertura para
além da fronteira dos assuntos da agenda oficial, deixando de oferecer noticiário de
interesse do público para distribuir gratuitamente noticiário de interesse do governo.
- "Isso é dumping de Estado", diz o senador Arthur Virgílio (AM), líder do
PSDB no Senado. "O sistema de comunicação do governo, financiado pelo contribuinte,
concorre com produto diferenciado no mercado de mídia." Para ele, revela-se aí uma
estratégia de natureza ideológica. "O resultado será a previsível padronização
da informação. Querem que todo o País passe a pensar como o PT, partido que não tem um
projeto de governo, mas de poder."
- "O governo procura pôr em prática o seu big brother", continua Virgílio,
numa referência ao controle total dos cidadãos pelo Estado, previsto pelo escritor
George Orwell no romance 1984. "O ministro José Dirceu (Casa Civil) vigia os
cidadãos 24 horas por dia. Outro dia, ameaçou punir Maurício Dias David, que é
funcionário do BNDES, porque num programa de televisão exibido à 1h30 ele criticou o
Orçamento. O Dirceu nem dorme mais', ataca Virgílio."
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