Decretadas em 15 de setembro de 1935, as leis de Nürenberg aboliam pura e simplesmente os direitos que os judeus ainda possuíam devido à sua nacionalidade alemã. Privados dos mínimos direitos como cidadãos, voltaram praticamente a viver na penúria reinante na Idade Média. Entre outras restrições, seus bens foram confiscados, foi-lhes proibido exercer profissões liberais; seus estabelecimentos passaram a ser supervisionados pelos comissários arianos e suas contas bancárias congeladas. Naquela época, 80 mil judeus de procedência polonesa viviam na Alemanha. Preocupado com as restrições às atividades econômicas dos judeus na Alemanha, o governo polonês determinou, no verão de 1938, que todos os portadores de passaportes poloneses teriam de revalidá-los. O objetivo era evitar que um grande número de judeus empobrecidos pela política nazista retornasse à Polônia, agravando os problemas econômicos desse país; como também que fosse aumentado o número de uma minoria nunca vista de bom grado pelo governo e a população polonesa. Portanto, qualquer motivo servia para que os passaportes dos judeus, que viviam no estrangeiro, fossem declarados vencidos e nulos. Tal procedimento deu a Hitler um bom pretexto para se livrar dos judeus que se tornaram apátridas. Assim, em 28 de setembro de 1938, um ano antes da guerra ter começado, a polícia alemã, com a colaboração das SS e SA, retirava de suas casas homens, mulheres e crianças que, ainda recentemente, possuíam a nacionalidade polonesa. Obrigados a deixar todos os seus bens, foram amontoados em caminhões e vagões de carga e levados à fronteira polonesa. Após concentrá-los num campo, foram conduzidos a pauladas e chicotadas através da fronteira. Perplexos, os guardas poloneses da fronteira, sem saber como agir contra uma massa humana que corria em sua direção, os deixaram passar. Entre os repatriados, encontrava-se um sapateiro chamado Gerson Grynszpan e sua mulher. Seu filho Herschel, de 17 anos, vivia em Paris. Este, quando soube das circunstâncias em que seus pais haviam sido expulsos da Alemanha, resolveu fazer justiça |
com as próprias mãos. No dia 7 de novembro, Herschel comprou um revólver e dirigiu-se à Embaixada alemã com o objetivo de matar o embaixador nazista Conde von Welczek. Pedindo audiência, foi conduzido até o gabinete do conselheiro da Embaixada, von Rath. Pensando estar diante do embaixador, atirou no conselheiro, ferindo-o mortalmente. Quando a notícia da morte de von Rath chegou à Alemanha, uma atividade febril começou imediatamente a reinar na Prinz Albrechtstrasse sede central da Gestapo. A ordem da ação foi assumida pessoalmente pelo terrível Reinhard Heydrich que há tempos havia preparado os planos de um pogrom de vulto, esperando só um pretexto. Para dar ao mundo a impressão de que a vingança partira do povo e fora espontânea, ordenou a todos os grupos SA e SS que participassem da ação vestindo roupas civis. Na noite de 9 de novembro de 1938, iniciaram-se os pogroms. A polícia recebeu ordens para não interferir. Sinagogas, casas e lojas judaicas foram depredadas e incendiadas. Inúmeros judeus foram abatidos a pauladas enquanto dezenas de milhares, presos e internados nos campos de concentração, dos quais praticamente ninguém voltou. O terror prosseguiu nos dias 10 e 11 de novembro. Por causa das vitrines quebradas essa ação foi denominada "Kristalnacht" - "A Noite dos Cristais". Menos de três anos mais tarde, em 31 de julho de 1941, Herman Goering incumbiu Reinhard Heidrich, mentor do pogróm da "Noite dos Cristais", de preparar a solução definitiva e final do problema judaico, cujo saldo foram 6 milhões de judeus exterminados durante o Holocausto. A "Noite dos Cristais" constituiu para Hitler um balão de ensaio para verificar a reação mundial frente ao primeiro atentado físico aos judeus após ter assumido o poder. E o mundo silenciou. Ficou calado quando milhões de seres humanos, sem discriminação de idade ou sexo, foram assassinados. (*) Ben Abraham é jornalista, escritor, coordenador-geral da Sherit Hapleitá do Brasil e vice-presidente da Associação Mundial dos Sobreviventes do Nazismo. |