-"Tenho de me sentir feliz, porque não estou compartilhando
com a suposta coexistência pacífica e cínica entre carreiristas obcecados, entre
neoliberais de carteirinha, entre prisioneiros dos cárceres do poder, porque sou uma
mulher livre e sei que a liberdade ofende! A liberdade ofende os prisioneiros dos
cárceres do poder, os que têm de se justificar, os que têm de abrir mão das suas
convicções!"
Subindo à tribuna do Senado com essas palavras e com seu voto já declarado contra a
reforma da Previdência, a senadora Heloísa Helena (PT-AL) só descumpriu uma promessa,
feita à mãe, dona Heloísa - não chorar. Bastante aplaudida por cidadãos que ocuparam
as galerias e também por muitos de seus colegas, a parlamentar alagoana explicou que
votava coerentemente às posições históricas do Partido dos Trabalhadores com relação
à Previdência Social.
Ao criticar as Propostas de Emenda à
Constituição nºs 67 e 77 (paralela), a senadora lembrou seu passado de líder do PT e
os seis anos durantes os quais votou contra a taxação dos inativos e o corte de
aposentadorias dos servidores públicos. Lembrou igualmente o seu passado de menina pobre,
filha de empregada doméstica em Maceió.
- Quando havia festa nas casas dos ricos,
eu tinha de ficar fechada no quartinho de serviço - recordou Heloísa Helena ao reafirmar
seu compromisso com "os filhos da pobreza e os miseráveis", que não estariam
sendo atendidos pela reforma.
Os senadores e os beneficiados por altos
salários, ao contrário, estariam contemplados na PEC paralela, segundo alertou a
ex-líder do PT. Como nunca sonhou que chegaria ao Senado, a senadora disse que se sente
comprometida apenas com os interesses do povo.
- Hoje é um dia triste para mim, mas ao
mesmo tempo estou feliz. Sou uma mulher livre. Cheguei ao Senado depois de anos
enfrentando o crime organizado e as oligarquias e não me sinto prisioneira dos cárceres
do poder - recordou a senadora.
Ela acusou o governo de se submeter aos
ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI) e garantiu não se arrepender de nada.
Discurso na íntegra
Eis o que disse a senadora Heloísa Helena:
"Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro
quero dizer que respeito profundamente as opções e os votos de todos os Senadores.
Prometi a minha mãe que não ia chorar. Prometi a D. Helena, uma mulher valente, que
ficou órfã de pai e mãe com 14 anos de idade, criou os onze irmãos no cabo da enxada e
me ensinou as mais belas lições de solidariedade e me deu belíssimas lições de
coragem também.
Sr. Presidente, D. Pedro Casaldáliga tem uma frase muito bonita:
"Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as
propriedades privadas que nos privam de viver e de amar!"* E é por isso, Sr.
Presidente José Sarney, Senador Eduardo Suplicy, que, apesar de toda a tristeza que me
envolve neste momento, porque sei o significado desse gesto, quero que todas as pessoas
que por mim têm carinho, afeto, respeito, saibam que apesar da tristeza profunda que
estou sentindo hoje, estou profundamente feliz porque sou uma mulher livre.
(Manifestação das galerias) Eu sou mulher livre!
Sei, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que nenhum
Parlamentar desta Casa, nenhum, ou meu maior adversário ou meu maior companheiro, nenhum
Parlamentar desta Casa teria a ousadia de dizer que defendo privilégios, que defendo
supersalários, que não sinto a dor dos excluídos, dos marginalizados, dos filhos da
pobreza.
Ninguém poderia dizer, porque quem me acompanhou nesta Casa, especialmente os Senadores
mais antigos que acompanharam minha postura nesta Casa como Líder do PT, como Líder da
Oposição ao Governo Fernando Henrique, quase me pegando no tapa, Senador Jefferson
Péres, com alguns Senadores desta Casa quando atacavam o PT, atacavam o Lula e o José
Dirceu, o que passei na Comissão de Fiscalização e Controle, o que passei na Comissão
de Assuntos Econômicos defendendo o Partido dos Trabalhadores. Então, ninguém é mais
PT do que eu. Se a cúpula palaciana ou a base de bajulação quer ostentar melhor a
estrelinha do PT no peito, |

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Emocionada, Heloísa criticou os caciques
palacianos |
não vai poder ostentar mais do que eu que tenho o direito
a fazê-lo também. Porque dei os melhores anos da minha vida para construir o Partido dos
Trabalhadores, enfrentando o crime organizado, enfrentando a oligarquia degenerada,
decadente e cínica.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho de me sentir feliz, porque não estou
compartilhando com a suposta coexistência pacífica e cínica entre carreiristas
obcecados, entre neoliberais de carteirinha, entre prisioneiros dos cárceres do poder,
porque sou uma mulher livre e sei que a liberdade ofende! A liberdade ofende os
prisioneiros dos cárceres do poder, os que têm de se justificar, os que têm de abrir
mão das suas convicções!
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, daqui a pouco, vamos votar dois requerimentos de
destaque. Vou votar como o PT votou seis vezes: contra a taxação dos inativos. Vou votar
contra a reforma da Previdência dos trabalhadores do setor público, porque o PT votou
contra. O PT combateu, em 1998, quando o Fernando Henrique a apresentou. Vou votar contra
essa reforma da Previdência, porque ela não faz nada pelos filhos da pobreza, pelas
crianças que entram mais cedo no mercado de trabalho. Ela não faz nada pelos excluídos,
pelos filhos da pobreza, pelos marginalizados! Ela não faz nada, Sr. Presidente! Por
isso, sinto-me na obrigação de votar contra essa reforma da Previdência.
Quando combati o bom combate nesta Casa, batendo no Governo Fernando Henrique, atribuindo
ao Governo Fernando Henrique a desestruturação do Estado brasileiro, as mazelas da
corrupção no processo de privatização deste País, considerava que o nosso Governo
teria a obrigação de mostrar ao País o que dizíamos que eram os crimes contra a
Administração Pública, o tráfico de influência, a intermediação de interesses
privados e não o silêncio, Sr. Presidente, como vemos hoje!
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, caras companheiras e companheiros, nem a
propaganda triunfalista me inibe, nem a ofensiva ideológica dos que legitimam no
imaginário popular o Fundo Monetário Internacional, as instituições de financiamento
multilaterais. Não vou compartilhar com o medo e a fraqueza do Governo Federal em
enfrentar o Fundo Monetário Internacional. Não vou compartilhar com a fraqueza dos
governos estaduais, que, mais uma vez, junto com o Governo Federal, estabelecem, lançam a
conta e a fatura aos trabalhadores do setor público. Os Governadores, em vez de, mais uma
vez, jogarem a conta aos trabalhadores do setor público, deveriam exigir do Senado
Federal a repactuação da dívida, a diminuição do percentual de comprometimento de
suas receitas com o pagamento dos juros e do serviço da dívida e com o Fundo Monetário
Internacional.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de este ser um dos momentos mais difíceis
da minha vida, não é o mais difícil. Difícil nem foi quando eu tinha de passar as
noites de Natal num quartinho de empregada, Senador Mão Santa, quando minha mãe,
analfabeta, pobre e trabalhadora, tinha de trabalhar nas casas ricas de Maceió, quando
não podíamos passar da porta da cozinha.
Eu, que nunca sonhei porque filho de pobre geralmente nem sonha tocar os
tapetes azuis do Senado, estou aqui: uma mulher do Partido dos Trabalhadores, sim, uma
mulher do PT, sim, porque dediquei os melhores anos da minha vida à construção desse
Partido.
Estou votando de consciência tranqüila. Tenho toda a motivação de estar feliz porque
não preciso justificar meu voto. Não preciso cair no cinismo e na dissimulação de
dizer que há combate aos privilégios. Mentira! Não estão combatendo os privilégios
coisíssima nenhuma e nem criando teto salarial. Já está na proposta da reforma paralela
a garantia dos penduricalhos e dos supersalários os penduricalhos dos Senadores ou
os supersalários.
Sr. Presidente, por isso, voto com muita dor. É como se estivessem arrancando meu
coração. E não podem devolver os melhores anos da minha vida que dei à construção do
Partido dos Trabalhadores. Não me arrependo de absolutamente nada. Aliás, jamais me
arrependerei deste momento, deste voto que estou dando hoje. (Palmas.)"
(Fontes: Diário e Jornal do Senado) |