"Ação entre amigos",
"falação", "discurso", "jogo de cartas
marcadas com perguntas mornas e desinteressantes" – eis
algumas expressões que definiram a primeira entrevista coletiva
concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa, em
Brasília, desde que assumiu o governo em 2003. Aconteceu há dias,
em circunstâncias que sustentam aqueles qualificativos: "Os
correspondentes palacianos sorriam ou riam à solta, e erguiam
perguntas que deixavam Lula mais e mais simpático", como
escreveu Nelson de Sá, na Folha de S. Paulo.
O filtro do Planalto escolheu quatorze entrevistadores para
perguntar. Comenta-se que nove apresentaram de véspera as perguntas
preparadas "pelos mais importantes veículos de comunicação
do País", no dizer da Rede Globo de TV. Entre os outros 178
participantes, foram sorteados mais cinco. Esgotadas as questões,
sem direito a réplica, Lula esquivou-se de perguntas fora do
microfone e saiu rapidamente, dizendo-se cansado.
A revista Veja afirmou que "o que mais chamou a atenção
foi o despreparo de parte da imprensa. Os jornalistas não fizeram
sua parte". Em meio a flagrante combinação, ninguém
perguntou sobre impostos, reforma tributária, medidas provisórias,
compra da reeleição ou corrupção. "Estas questões não
motivaram os jornalistas e menos
ainda o presidente", segundo Tereza Cruvinel, no jornal O
Globo.
A crítica mais contundente veio de Sebastião Nery, na Tribuna
de Imprensa. Ele chegou a afirmar que o "pronunciamento"
presidencial faria inveja a Hitler e Mussolini: "Em uma hora e
dez minutos de entrevista (70 minutos), Lula usou o "eu"
exatamente 223 vezes. Divididos por 70 minutos, são 3,18 por
minuto."
As perguntas foram feitas por Cristiano Oliveira, da Rede TV, em
primeiro lugar; Marta Correia, da TV Record; Carla Mendes, da
Agência Lusa; André Barrocal, da Revista Época; Sandro Lima, do
Correio Braziliense; Renata Giraldi, do Jornal O Dia; Augusto Nunes,
do Jornal do Brasil; Cristiano Romero, do Valor Econômico; Tânia
Monteiro, do jornal O Estado de São Paulo; Zileide Silva, da TV
Globo; Roberto Maltichik, da Rádio Gaúcha; Fábio Pannunzio, da TV
Bandeirantes; Cristiano Jungblut, do jornal O Globo, e Marta
Salomon, do jornal Folha de S. Paulo.
Íntegra da entrevista
Para abrir o encontro, disse o presidente:
"Primeiro, tem sempre uma primeira vez. Eu tinha pensado,
inicialmente, em fazer uma introdução. E eu, agora, estou pensando
que não deva ter a introdução e que devamos entrar diretamente
nas perguntas. E por que isso? Porque eu acho que fica mais livre,
ninguém pode dizer que eu estou tomando todo o tempo da entrevista
fazendo o meu discurso inicial. E quem sabe a gente ganhe tempo para
melhor aproveitar essa entrevista.
Eu só queria dizer para vocês que possivelmente esta entrevista
seja a primeira de uma série de outras que poderão acontecer aqui
em Brasília ou em outros estados da Federação. Eu sei que eu
estou com dívida de fazer entrevista exclusiva para muitos
jornalistas que me pedem, muitos jornais. E possivelmente agora
tenha chegado a hora de fazer isso. Vai depender muito de combinar a
nossa agenda. Estou à disposição de vocês."
Eis, a seguir, na íntegra, as perguntas e repostas conforme o
texto distribuído pela Radiobrás:
Pergunta: Senhor Presidente, na década de 70 e 80, o
senhor ficou conhecido muito como um combativo sindicalista. O
senhor lutava contra os acordos com o FMI e contra os juros altos, a
favor de um salário mínimo digno. No próximo domingo, dia
primeiro, é o Dia do Trabalhador, o dia em que entra em vigor o
novo valor do salário mínimo, no valor de 300 reais. E não é nem
de longe o que o trabalhador queria. Eu gostaria de saber do senhor
o seguinte: o que mudou, em relação a essa que eu falei e hoje?
Por que está diferente?
Lula: Veja, na verdade, na década de 70, nós brigávamos
por outras coisas. A questão do FMI, no começo da década de 70,
não era a principalidade das discussões que nós, dirigentes
sindicais, fazíamos. Nós brigávamos muito por reajuste de
salário e é o papel que o movimento sindical continua fazendo.
Eu penso que o Brasil vive hoje, talvez, um dos seus melhores
momentos no que diz respeito ao salário mínimo. A partir do dia
1º de maio, o salário mínimo passa a ser de R$ 300,00, e o
salário mínimo vai poder significar, praticamente dobrar o poder
de compra da cesta básica que nós tínhamos no começo de 2003. Em
2003, o salário mínimo podia comprar 1.2 cesta básica e, hoje, o
salário mínimo atual já compra 1.9. Com o aumento, certamente,
ele vai poder comprar duas cestas básicas, o que é um dado
auspicioso.
Agora, quando se trata de salário mínimo, qualquer que seja o
número, ele será baixo, por isso que ele será o mínimo. Nós
precisamos trabalhar de forma intensa no Brasil para que se tenha
uma melhoria muito grande no processo educacional, na formação
profissional, para que os trabalhadores brasileiros não ganhem
salário mínimo, ou seja, ganhem sempre um pouco mais do que o
mínimo, como acontece com os trabalhadores das indústrias mais
sofisticadas no Brasil. Eu acho que isso, nós vamos caminhando a
passos largos para conquistar um salário mínimo que possa dar, no
mínimo, a dignidade que todos os trabalhadores que o ganham merecem
ter.
Com relação ao FMI, aconteceu uma coisa muito interessante. Não
sei se o jornalista Cristiano percebeu que nós não temos mais
acordo com o FMI. Não se precisou dar murro na mesa, não se
precisou gritar, não se precisou levantar faixa, não precisei
convocar nenhuma passeata. Nos dois anos do meu governo, nós
criamos as condições para que o Brasil tivesse uma segurança na
sua política econômica capaz de permitir que nós disséssemos ao
FMI: nós não precisamos renovar o acordo porque não vamos
utilizar dinheiro do FMI. Isso foi feito com a maior tranqüilidade,
sem precisar brigar com o FMI e, possivelmente, por isso, não tenha
tido o destaque que deveria ter o não-acordo do Brasil com o FMI.
De qualquer forma, nós estamos com a economia mais sólida, nós
estamos com mais confiabilidade tanto interna quanto externa, as
nossas exportações cresceram, as nossas reservas são boas e,
portanto, eu penso que a dependência do Brasil dos acordos com o
FMI deve fazer parte da nossa história e, certamente, nós iremos
trabalhar para que nunca mais o Brasil precise de acordo com o FMI
em função da vulnerabilidade que o país possa ter. Nós vamos
trabalhar para que essa solidez da nossa política econômica seja
cada vez mais forte, e que sejamos, cada vez mais, criadores da
nossa própria segurança.
Pergunta: Bom dia, Presidente. O senhor disse há pouco
que, na década de 70, os trabalhadores brigavam por aumento de
salário. Hoje, são os militares que estão brigando, cobrando
aumento de salário. No ano passado, o senhor prometeu – pelo
menos o ex-ministro José Viegas afirmou isso – 33% de reajuste.
Dez por cento já foram concedidos e faltam, agora, os 23%
restantes. A situação econômica do país que o senhor vive
dizendo que está melhorando, das finanças públicas, eu pergunto,
o senhor vai dar o aumento aos militares este ano, como prometido?
Lula: Primeiro, Marta, eu quero dizer a você uma frase
antiga, de um ministro ainda do regime militar, quando eu fazia as
minhas reivindicações no ABC. Ele, um dia, disse que todo
trabalhador que se contentar com aquilo que ganha, talvez não
mereça o que ganha. Isso ele dizia no estímulo de que era
necessário brigarmos cada vez mais, porque o aumento de salário
só é importante para nós no primeiro mês em que recebemos. No
segundo mês, ele já entra no orçamento, no terceiro mês, então,
nem nos lembramos mais que tivemos aumento de salário. Isso vale
para os militares, para os servidores, isso vale para os servidores
civis, vale para os trabalhadores da iniciativa privada. No que diz
respeito aos militares, eu não tenho responsabilidade apenas com os
militares, eu tenho com os militares, tenho com o servidor público
brasileiro como um todo e tenho que criar as condições para o
conjunto dos trabalhadores.
Eu tive oportunidade de, no dia em que os novos generais foram
empossados aqui, dizer a eles que nós vamos trabalhar e estamos
trabalhando fortemente para que a gente contenha o déficit,
sobretudo na Previdência Social, para ver se a gente consegue ter
uma parte do dinheiro, que de uma parte seja feito investimento e de
outra a gente possa repor parte dos salários.
Agora, é importante ter em conta que dificilmente uma categoria que
deixa acumular uma perda de 40%, 50%, como habitualmente acontece no
Brasil... Eu comecei a minha vida sindical reivindicando 34,1% que
eu tinha perdido em 1974, 1975, numa denúncia que o Banco Mundial
tinha feito. Eu nunca recuperei os 34,1%, que foi o motivo pelo qual
eu me transformei num sindicalista importante. Mas, a partir dali,
nós paramos de perder poder aquisitivo e começamos a ganhar muitas
vezes.
Eu acho que os militares prestam um trabalho enorme à sociedade
brasileira. Eu, hoje, conheço mais de perto o relevante serviço
que eles prestam, não apenas em defesa da nossa soberania como
guardiã da nossa Pátria, mas, sobretudo, na política social que
eles têm feito. E o melhor exemplo é a prestação de serviço
médico na Amazônia, é o nosso Correio Aéreo Nacional, é o
Soldado Cidadão, que tem coisas extraordinárias, que vocês podem
visitar. Certamente, nós vamos tratar com carinho para encontrar um
jeito de dar um reajuste para os militares, mas dentro das
possibilidades do nosso orçamento.
Eu digo sempre o seguinte, Marta: às vezes, a gente é obrigado a
dizer para um filho da gente, que está reivindicando alguma coisa,
que a gente não pode dar aquela coisa. E da mesma forma que eu
tenho, às vezes, que dizer que não posso dar tudo que o meu filho
deseja, eu tenho que dizer à sociedade brasileira que, muitas
vezes, a gente não pode fazer tudo que a gente gostaria de fazer,
mas o que nós estamos fazendo é o máximo que a gente pode fazer.
Eu tenho certeza de que nós iremos criar as condições para
melhorar a vida, tanto dos militares quanto dos civis no nosso
país.
Pergunta: O senhor acredita que a situação entre a
Venezuela e os Estados Unidos esteja ameaçando a estabilidade da
região? E o que o Brasil pode fazer nesse caso? E ainda com
relação à aspiração do Brasil ao Conselho de Segurança, um
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o senhor
acredita que o país possa conseguir isso ainda durante o seu
mandato?
Lula: Eu não vejo nenhuma possibilidade de haver um
conflito maior entre Estados Unidos e Venezuela. Você deve ter
acompanhado que, no auge da crise, ainda em janeiro de 2003, nós
propusemos a criação do Grupo de Amigos. A criação do Grupo de
Amigos do qual faziam parte Brasil, Chile, Estados Unidos e Espanha
gerou uma certa polêmica porque, num primeiro momento, o presidente
Chávez não queria nem os Estados Unidos e nem a Espanha, que tinha
reconhecido o golpe. Nós convencemos o presidente Chávez que era
importante que tivesse interlocutores que falassem com a sua
oposição. O Grupo de Amigos funcionou e o Grupo de Amigos
consolidou o referendo que foi acompanhado por muita gente de outros
países, inclusive pela Fundação Jimmy Carter, que teve um papel
muito importante na consolidação do referendo.
Eu, sempre que possível, tenho conversado com o Chávez, tenho
feito muitas reuniões. Mais recentemente eu estive na Venezuela com
o presidente Zapatero e com o presidente Uribe. Nas conversas que eu
tive com o presidente Sampaio, de Portugal, e com o ex-primeiro
ministro Durão Barroso, eu tinha dito que era importante que
Portugal tivesse uma participação maior na Venezuela, porque tem
400 mil portugueses morando na Venezuela, para que a gente mostrasse
que a única possibilidade de um país como a Venezuela ou outros
países da América do Sul se desenvolverem, é os governantes
viverem num clima de paz, num clima de harmonia, para que eles
possam dedicar toda a sua energia para governarem os seus países.
Ainda esta semana, eu recebi a Secretária de Estado dos Estados
Unidos aqui, e eu penso que nós estamos andando a passos largos
para que haja uma grande harmonia entre Estados Unidos e Venezuela,
até porque nós, do Brasil, temos todo o interesse em que no nosso
continente haja a maior tranqüilidade. Os Estados Unidos importam
15% do petróleo da Venezuela, os Estados Unidos são o maior
importador de petróleo da Venezuela, portanto, a Venezuela precisa
dos Estados Unidos, os Estados Unidos precisam da Venezuela,
portanto, não há nenhuma razão para os dois estarem brigando.
Eu, depois da reunião com a secretária Condoleezza, fiquei
convencido de que as coisas vão andar muito melhor daqui para a
frente, e naquilo que o Brasil puder contribuir, nós vamos
contribuir para que as coisas se firmem e para que a gente possa ter
uma tranqüilidade muito forte aqui no nosso Continente. Nós
precisamos de paz para que a gente possa pensar no desenvolvimento,
no crescimento econômico e na geração de riqueza do nosso país.
Por isso, o Brasil está com uma forte política de integração
física da América do Sul, por isso nós criamos a Comunidade Sul
Americana de Nações e por isso eu disse à Secretária de Estado
dos Estados Unidos que o presidente Bush entrasse junto como Brasil
e com os países da América do Sul nessa política de criar uma
infra-estrutura, de criar uma integração física, porque irá
facilitar o crescimento e o estabelecimento da paz no nosso
Continente.
Pergunta: Com relação à ONU?
Lula: Veja, com relação à ONU, você sabe que o Brasil
já era para estar na ONU desde 1945, quando foi criada a ONU. O
Brasil não entrou, o Brasil defende a democratização das Nações
Unidas, defende, sobretudo, a democratização do Conselho de
Segurança, defende a participação de representações por
continente, pela África, que pode ter dois, pela América do Sul,
pela Ásia, e o Brasil reivindica para si essa vaga, por ser o maior
país da América do Sul e da América Latina, por ser um país de
maior número de habitantes, o país de maior extensão territorial,
então, nós temos o direito de reivindicar. Estamos reivindicando.
Primeiro precisamos garantir que haja reforma, segundo, tendo a
reforma, precisamos garantir a nossa participação e eu acho que
isso vai ser bom para a ONU, porque quanto mais democrática for a
ONU, mais ela vai poder realizar tarefas que possam garantir maior
harmonia no mundo inteiro.
Pergunta: O senhor acredita que o Brasil consiga esse
acerto ainda no mandato do senhor? Essa pergunta foi formulada pela
Associação dos Correspondentes Estrangeiros aqui no Brasil.
Lula: Aí eu já não posso prever o futuro, eu tento
sonhar como um analista político eu tento prever o que vai
acontecer. Eu acho que se a reforma sair, o Brasil entrará. Eu acho
e estamos trabalhando para que seja este ano. Estamos trabalhando
para que, se não for este ano, seja o ano que vem. Agora, se não
for no meu mandato, que sejam no tempo que for, mas é importante
que o Brasil participe.
Pergunta: Essa semana, o senhor fez referência aos juros
altos. O vice-presidente da República, José Alencar, também
voltou a fazer críticas, ele que é um crítico antigo da política
monetária, mas a semana terminou com trocas anunciadas pelo
Ministério da Fazenda, ontem, na Diretoria do Banco Central e no
próprio Ministério, que indicam reforço na ortodoxia. Eu gostaria
de saber o seguinte do senhor: existe descompasso entre o que o
senhor pensa e defende e o que faz o Ministério da Fazenda ou o
Ministério da Fazenda tem autonomia total para fazer o que achar
mais conveniente?
Lula: Primeiro, bom dia, eu não sei se acontece com você
o que acontece comigo. Eu, muitas vezes, tenho descompasso entre
aquilo que quero fazer para mim e aquilo que posso fazer para mim.
Na economia, possivelmente, o descompasso seja de todos. É
importante lembrar que uma das razões pelas quais eu convidei o
José de Alencar para ser meu vice foi pelo discurso que ele fazia
contra a política de juros, sendo empresário como ele era, porque
se fosse eu, como metalúrgico, todo mundo falaria "nossa! Mas
esse metalúrgico é muito radical, muito sectário". Um
empresário do maior grupo têxtil de Minas Gerais, um empresário
da importância do José Alencar, falando de juros, as pessoas não
ficavam tão incomodadas, como se eu falasse. Então, eu acho que
todos nós, o ministro Palocci, o Meirelles, os funcionários todos
do Brasil e o povo brasileiro desejam que encontremos uma taxa de
juros mais baixa para o país, e nós precisamos trabalhar para
criar condições para que essa taxa de juros baixe. Eu queria lhe
dar um dado importante: a média da taxa de juros real de mercado,
de 2000 a 2002, foi de 15.8%; a média de mercado em 2003 foi 13.2%;
a média, em 2004, foi de 10.6%. Nós não temos a média de 2005,
ainda, porque estamos no começo do ano. Mas a média de 1997 a 1999
foi de 21.4%, e eu acho que nós estamos caminhando, primeiro, para
garantir a estabilização da economia e que possamos ter certeza de
que a inflação não voltará mais, porque a inflação é o que
pode causar enorme prejuízo aos assalariados no Brasil.
Eu já vivi como assalariado, recebendo a notícia de inflação de
40%, de 50%, de 80%. Quando um trabalhador tinha uma conta
remunerada, a inflação dele era menor, mas quando ele não tinha,
o salário dele ficava defasado quatro meses em 40%. Eu me lembro de
uma vez em que comecei a reivindicar que o salário dos
trabalhadores fosse pago semanalmente. Todos nós sabemos que
precisamos trabalhar, caminhar muito fortemente para que possamos
reduzir a taxa de juros. Ao mesmo tempo, eu tenho pelo companheiro
Palocci o mais profundo respeito, tenho uma ligação política,
ideológica, tenho uma relação de quase 30 anos com o Palocci,
portanto eu poderia dizer a você que eu e o Palocci somos unha e
carne. Eu tenho total confiança nas coisas que o Palocci faz e, se
ele faz, faz na perspectiva de fazer o melhor para este país e, eu
não tenho nenhuma dúvida, quando o ministro Palocci anuncia a mim
que vai mudar a sua equipe econômica, eu digo para ele e para todos
os ministros: eu quero saber se você confia nas pessoas que você
está indicando. Se ele falar para mim "eu confio, são pessoas
que vão fazer aquilo que eu achar que deve ser feito", então
meus queridos, vocês montem as suas equipes porque é assim que o
Brasil pode ir para frente. Eu estou convencido de que nós estamos
no caminho de consolidar a estrutura produtiva e econômica para que
o Brasil se transforme, nas próximas décadas, em um país que
possa se transformar em uma economia muito forte, muito competitiva.
Você tem acompanhado, e eu tenho dito que eu sonho em transformar,
em começar a criar o primeiro tijolo, o primeiro alicerce para que
o Brasil se transforme em uma grande potência econômica no século
XXI. Se o século XIX foi da Europa, o XX, dos Estados Unidos e um
finzinho dele, da China, nós queremos que o século XXI seja do
Brasil e dos países mais pobres. Por isso, estamos intensificando a
nossa política de consolidar o nosso país sem nenhuma
vulnerabilidade, para que possamos crescer, nos fortalecer, e sonhar
que não seremos pegos de surpresa, nunca mais, com um plano
econômico que anuncia o céu em um dia e, no dia seguinte, você
cai em um buraco, devendo aquilo que você nem contraiu de dívida.
Então, a busca incessante para consolidar essa economia faz parte
do meu cotidiano, faz parte do cotidiano do Palocci e, portanto, as
pessoas têm a minha total confiança.
Pergunta: O orçamento da União para este ano prevê um
reajuste de apenas 0,1% linear para o funcionalismo público. Uma
das promessas de campanha do senhor foi valorizar o servidor
público. O senhor pretende fazer alguma coisa para modificar isso,
dar um reajuste maior neste e no próximo ano? E completando, o
governo pretende melhorar isso; uma das propostas seria reverter o
déficit da Previdência? O senhor acha que o ministro Jucá,
saraivado por uma série de denúncias de irregularidades, está à
altura dessa missão?
Lula: Olha, eu vou lhe contar uma pequena história. Em
1974, eu introduzi uma discussão no Sindicato dos Metalúrgicos do
ABC, que era a discussão para distribuir, de forma mais justa, o
percentual de reajuste que os trabalhadores poderiam receber, ou
seja, imaginando que 2% de reajuste para quem ganha 15 mil reais tem
um significado, mas 2% de reajuste para quem ganha 300 não tem
praticamente quase nada. O que eu introduzi naquela ocasião foi que
o reajuste que a gente conquistasse nos acordos coletivos, que uma
parte dele fosse dada no salário nominal do trabalhador e que a
outra parte fosse introduzida na folha global de pagamento, para que
a gente dividisse pelo número dos trabalhadores. Iria dar uma
quantia fixa que, muitas vezes, significava muito mais do que o
percentual que o trabalhador tinha sonhado conquistar.
No Sindicato de São Bernardo, quando eu introduzi essa política, o
meu advogado recebeu 1,5% e a faxineira recebeu 175% de reajuste.
Não sei se você acompanhou que nós fizemos isso ano passado,
aqui, no setor público. No setor público teve funcionário que
recebeu 49% de reajuste, teve funcionário que recebeu 35% de
reajuste, teve funcionário que recebeu 29% de reajuste. E a camada
mais alta, o que nós fizemos? Em quase todas elas nós fizemos uma
adaptação no plano de carreira, algumas que estavam há muito
tempo sem fazer, e nós fizemos isso. Portanto, nós demos um forte
ajuste aos trabalhadores públicos federais ano passado.
E obviamente que, para dar aumento de salário, veja, quando eu sou
sindicalista, eu posso reivindicar, quando eu sou Presidente da
República, eu só posso dar na medida em que eu olho o caixa e
percebo que eu tenho. Se não tiver, eu vou dizer para os
funcionários porque não podemos dar. Se tiver, eu vou dizer porque
nós podemos dar e qual a melhor forma que a gente vai fazer para
que o pouco que a gente tenha possa ser distribuído.
Com relação ao ministro Romero Jucá, você disse bem. Você disse
que existe uma série de denúncias. Você deve acompanhar a minha
vida política e eu primo por entender que todo ser humano é
inocente até prova em contrário. Você não pode crucificar ou
decretar pena de morte para ninguém por causa de denúncia. A
denúncia, tem que apurar.
Quando eu discuti com o PMDB e o ministro Jucá veio a ser ministro,
antes dele aceitar, ele me trouxe uma série de acusações contra
ele e me trouxe uma série de documentos provando o que ele já
tinha feito. O ministro Jucá vai ao Ministério Público e pede ao
Procurador-Geral para ser investigado rapidamente, manda um ofício
à Polícia Federal pedindo que seja investigado rapidamente. Eu sou
como ele, obrigado a esperar que haja a investigação e que haja,
ou uma decisão, como já tem no Tribunal de Contas, de que não tem
nenhum erro, não tem nenhum problema na vida dele, naquilo que ele
está sendo acusado, ou uma declaração do Ministério Público ou
da Polícia Federal dizendo: "olhe, ele está culpado nisso ou
ele está inocente nisso." Eu sou obrigado, até por
convicção e respeito ao direito de prova das pessoas, a que as
pessoas sejam julgadas corretamente, analisadas corretamente.
Na hora em que tiver esse veredicto, eu tomarei a posição que
tiver que tomar. Por enquanto, o ministro Jucá está cumprindo uma
tarefa que eu dei a ele, que é o de tentar, de uma vez por todas,
acabar com o déficit da Previdência Social, diminuindo muito o
déficit no ano de 2005 e diminuindo muito no ano de 2006. É essa a
tarefa. Até prova em contrário, ele vai continuar fazendo esse
trabalho muito bom que está fazendo. Ontem, me fez a primeira
apresentação do começo do que está acontecendo. Já diminuiu o
déficit nesses dois meses e nós vamos diminuir mês a mês o
déficit da Previdência.
Pergunta: Na sua última visita ao Rio, o serviço de
segurança da Presidência desaconselhou a sua ida à favela da
Rocinha, mesmo diante do lançamento do microcrédito e da
inauguração da farmácia popular. Recentemente, o ministro José
Dirceu esteve na cidade cercado por um fortíssimo esquema de
segurança para atravessar a Linha Vermelha e ele foi desaconselhado
a passar pelos túneis que estão espalhados por todo o Rio. Bom,
essa é a realidade da população do Rio de Janeiro no dia-a-dia.
Eu gostaria de saber do senhor: no que o senhor, como Presidente da
República e como governo federal, pode ajudar o governo do Rio e a
população a diminuir a criminalidade e a reduzir a violência?
Lula: Renata, você certamente acompanhou muitas idas
minhas ao Rio de Janeiro, e eu já subi em várias favelas do Rio de
Janeiro. Eu estou surpreso de saber por você, agora, que em algum
momento a minha segurança impediu que eu fosse ao Rio de Janeiro,
porque eu acho que 99% dos moradores da Rocinha são iguais aos
moradores de qualquer outro lugar do Brasil. Eu não tenho dúvida
de que, na favela da Rocinha, a maioria das pessoas que mora lá
são pessoas trabalhadoras, pessoas de bem, são pessoas que querem
viver condignamente. Portanto, eu quero te agradecer por esta
informação de que, em algum momento, a minha segurança barrou a
minha ida lá.
Eu, quando marco uma agenda, ela é marcada e desmarcada pelo meu
Chefe de Gabinete e nem sempre essas coisas são contadas para mim:
"você não vai porque o Flamengo vai jogar, porque está
acontecendo alguma coisa lá". Eu acho que não há por que um
presidente da República não ir à favela da Rocinha, não ir à
favela Santa Marta, não ir ao Chapéu Mangueira, não há por que
não ir. Se o povo vai, o Presidente da República tem mais a
obrigação de ir.
Obviamente que como Presidente da República você tem os cuidados
necessários, porque pode ter uma ou outra pessoa, como aquelas
desgarradas que tentaram matar o Papa um dia, que tentaram matar o
Reagan outra vez, e assim por diante.
Eu acho que o governo federal e o ministro Márcio Thomaz Bastos
têm trabalhado muito próximos ao governo do Rio de Janeiro, na
tentativa de encontrar soluções para que a gente dê
tranqüilidade ao povo do Rio de Janeiro. Você sabe que a
segurança pública do Rio de Janeiro e dos estados é uma coisa do
estado, o governo federal só pode participar fazendo acordos com os
governos estaduais, ele não tem como fazer porque, senão,
significa fazer intervenção no estado. Nós criamos uma força
especial de policiais do Brasil inteiro treinados, possivelmente
seja parte da Polícia Militar mais qualificada que está à
disposição do nosso Ministro da Justiça e da Secretaria Nacional
de Segurança Pública, e na medida em que o governo do Rio de
Janeiro entender que essa polícia pode ficar no Rio de Janeiro,
nós mandaremos, como mandamos para Vitória e ajudou a solucionar o
problema do Rio de Janeiro.
Eu estou convencido de que a segurança pública hoje, não é
problema de um prefeito, de um governador. É preciso que haja uma
junção de todos os entes federativos para que a gente possa,
conjuntamente, começar a sonhar a diminuir com a criminalidade no
Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais, em quase todo o
território nacional. Talvez no Rio de Janeiro apareça mais porque
o Rio de Janeiro é um centro muito importante no nosso país, mas
tem muitos outros lugares com violência e nós precisamos trabalhar
juntos para que a gente possa resolver definitivamente esse problema
de segurança.
Eu sei que a nossa Secretaria está fazendo acordo com os governos
dos estados, eu sei que nós estamos trabalhando conjuntamente,
informatizando a Secretaria de Segurança Pública, informatizando a
Polícia Federal, para que a gente trabalhe de forma mais
científica, trabalhe de forma mais inteligente e não trabalhe como
se trabalhava há 10, 12 ou 20 anos porque o crime, hoje, é mais
sofisticado, o crime, hoje, é uma coisa mais profissional. O
narcotráfico, o crime organizado tem seu braço político, tem seu
braço no Judiciário, tem seu braço internacional, tem seu braço
no empresariado, não é mais aquele ladrão que nós estávamos
acostumados a ver pegar.
Por isso, é preciso essa sofisticação e posso lhe dizer que o
ministro Márcio Thomaz Bastos está fazendo um forte esforço para
que a gente dote a nossa polícia de mais capacidade, de mais
inteligência e que ela esteja munida dos mecanismos necessários
para ser mais eficiente. E você tem acompanhado que a Polícia
Federal tem desbaratado muita coisa neste país, e vai continuar
sendo assim, cada vez mais prendendo mais gente.
Eu espero que, uma dia, não precise prender, que a gente não tenha
mais tanto bandido no Brasil.
Pergunta: O senhor declarou há poucos dias que não têm
consciência os brasileiros que se sujeitam ao pagamento de juros de
8% sobre as quantias que excedem o limite do cheque especial. Essa
é, basicamente, a taxa, essa taxa de 8% é basicamente a mesma em
todas as instituições financeiras, incluídas as controladas pelo
governo federal. Pergunto: por que o governo não toma providências
para que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal reduzam,
sensivelmente, essa taxa, para que os brasileiros possam sair do
comodismo e buscar bancos que realmente ofereçam vantagens?
Lula: Meu caro Augusto, eu acho que nós fizemos mais do
que isso, muito mais do que isso. Você deve estar acompanhando um
forte crescimento de dinheiro que está entrando no mercado de
consumo por conta do crédito consignado no nosso país. Nós
chegamos a 13 bilhões e meio o ano passado; estamos certos que
atingiremos 20 bilhões, que o Banco do Brasil agora até estendeu
aos aposentados que podem pegar esses juros a 1,50% ao mês, é o
juro mais barato, ou seja, certamente os juros diminuíram no
crédito consignado acima de 50% dos juros colocados no mercado. as pessoas não precisam
trocar uma duplicata de 30 mil reais num banco, porque o banco cobre
em função do direito de pagar ou não. E eu trabalho fortemente
para que a gente se organize
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Foto Antônio
Cruz (ABr) |
e, quem sabe, se um dia, ao invés de
fazer por decreto, que não é uma coisa simples... Não sei se
você acompanhou a Constituinte, o deputado Gasparian lutou durante
dois anos para que a gente conseguisse aprovar os juros de 12% na
Constituinte, ou seja, não só não conseguimos, como aquilo era
uma guerra diária no Plenário.
Eu penso que, ao invés da gente ficar brigando, a gente deveria ir
criando formas de organização, criando as alternativas para que,
um dia, o banco perceba que ninguém está indo lá buscar dinheiro,
aí ele nos procure, dizendo "olha, eu estou oferecendo um juro
mais baixo para vocês". Isto já está acontecendo com o crédito consignado, que talvez tenha
sido a maior revolução bancária que aconteceu nesses últimos
anos no Brasil. O trabalhador deixou de pegar dinheiro com agiota,
deixou de pagar 8.5% no cartão de crédito, deixou de pagar o
cheque especial, e agora ele vai e pega dinheiro com contrato feito
com o sindicato e com os bancos, tanto da CUT, quanto da Força
Sindical.
Pergunta: Só um esclarecimento mesmo: o senhor considera
possível, especificamente sobre o cheque especial, o senhor
considera possível uma redução sensível, repito, por parte da
Caixa Econômica e do Banco do Brasil ou não?
Lula: Eu acho que já está mais baixo do que os bancos
privados. E eu acho que temos que trabalhar para que eles baixem
mais. Você sabe que, quando eu ganhei meu primeiro cheque especial,
em 1976, eu achei que o banco gostava de mim. Me deram um cheque
especial e eu achei que eu era um cliente especial. E, um belo dia,
a minha mulher foi comprar um sofá, e comprou um sofá que
extrapolou o limite de meu cheque especial. E eu tinha meu fundo de
garantia nesse banco e, de repente, percebi que, do dinheiro que eu
tinha no fundo de garantia, eu recebia um pouquinho assim de juros
e, do que eu consegui extrapolar no limite da minha conta, eu estava
pagando 10% de juros. Então, eu consegui perceber que nós
precisamos, nós sociedade, não é ficar esperando apenas que o
governo faça. Eu, enquanto cidadão, se tiver um cartão de
crédito, não posso deixar estourar, porque se eu deixar passar a
data de vencimento, eu vou pagar um juro que eu não posso pagar. E
se eu não conseguir pagar em um mês, eu não consigo pagar no
terceiro, não consigo pagar no quarto. É por isso que os bancos
colocam uma taxa de juros alta, para poder colocar na conta dos bons
pagadores aquilo que ele perde com a inadimplência das pessoas que
não podem pagar. E, na minha opinião, nós só vamos mudar isso na
medida em que o povo começar a agir com mais cobrança, não apenas
que o governo faça – o governo pode fazer, pode brigar para
fazer, pode mandar projeto de lei – mas a sociedade, por si só,
pode ir reeducando o sistema financeiro brasileiro para entender que
nós somos um país capitalista, que precisamos ter dinheiro em
circulação, e que o nosso povo precisa – quando precisar – ter
direito a um empréstimo a juros condizentes com a sua possibilidade
de pagar.
Pergunta: O senhor disse, agora, que deposita total
confiança no ministro Palocci, que o senhor e ele são como unha e
carne. O ministro Palocci já explicitou que um dos sonhos dele é
formalizar a autonomia que o Banco Central tem hoje. Ele considera
que isso pode reduzir o risco político e provocar uma redução
imediata nas taxas de juros que hoje o Banco Central pratica. Eu
queria saber do senhor o seguinte: se esse é apenas um sonho, ou
seja, a formalização, a independência do Banco Central, é apenas
um sonho do ministro Palocci, ou é um projeto do governo Lula, ou
seja, um projeto do senhor para este mandato ou, possivelmente, para
o próximo.
Lula: Eu posso lhe garantir que o Palocci não me conta
todos os sonhos dele. Certamente alguns ele guarda para si e não me
conta. Deixe eu lhe dizer uma coisa. Primeiro, o Banco Central tem
muita autonomia no meu governo, muita autonomia. Eu sei que no
Senado Federal começou uma discussão que eu acho que deva ser
assim, vamos deixar o Congresso Nacional discutir, vamos fazer com
que os especialistas do Brasil discutam e se, em algum momento,
entenderem que a autonomia do Banco Central pode dar no resultado
que você disse, que o Palocci disse que dá, de que a autonomia vai
fazer baixar os juros, ora, eu seria louco se não fizesse. Agora,
na teoria, a prática é outra, ou seja, ninguém pode garantir que
a autonomia, por si só, resolva o problema do Banco Central. Eu sei
que na maioria dos países do mundo o Banco Central tem autonomia.
Eu não faço disso uma profissão de fé e tampouco uma questão
ideológica. Eu acho que a questão do Banco Central não pode ser
tratada do ponto de vista do debate político e ideológico que se
dá na sociedade; ela tem que ser tratada do ponto de vista
técnico, com especialistas, para que as pessoas possam efetivamente
não ver o Banco Central vulnerável e, a cada dia, alguém fazer um
discurso pedindo a cabeça do Banco Central ou de um funcionário do
Banco Central, porque aí você passa muito mais desconfiança, vai
gerar muito mais vulnerabilidade ao comportamento do Banco Central.
Agora, vamos esperar esse debate. Eu não faço disso uma peça de
campanha, uma determinação de Programa. Se chegar, no momento
certo, a partir dos debates que estão se iniciando, de que isso é
possível e que isso melhora, eu não vejo por que não fazer. Mas
pode ser que cheguemos a uma posição diferenciada. E aí nós
temos que trabalhar, qualquer que seja a autonomia ou não do Banco
Central, trabalhar para que ele possa fazer cada vez mais e cada vez
melhor, para que a gente tenha os juros cada vez mais baixos e para
que os juros não sejam o único instrumento de controle da
inflação. Não pode ser a taxa de juros para conter a demanda, o
único motivo. Nós precisamos criar outros mecanismos.
Nós, agora, fizemos uma experiência com a alíquota do aço, que
nós zeramos para que a gente possa facilitar a exportação, a
importação do aço. Muitas vezes, um acordo dessa natureza tem que
passar pelo Mercosul. Então, as coisas não são tão simples como
eu gostaria que fossem, mas nós estamos procurando outros
mecanismos para que a gente possa controlar a inflação, porque o
objetivo básico, além de garantir que haja crescimento da economia
no Brasil, e eu tenho a convicção de que vai se repetir o
resultado importante do ano passado, é a gente garantir que a
inflação não volte, porque na hora em que a inflação começar a
crescer, se ela chegar a dois dígitos, a experiência do Brasil já
mostra: ninguém segura, de dez para quinze vai num passo, de quinze
para vinte, vai em outro. Vocês estão lembrados que se nós não
tivéssemos sido duros em 2003, possivelmente teríamos chegado a
uma inflação de 30%. Sair de quase 17% para 7%, eu penso que foi
um passo extraordinário que deve ser reconhecido por todos aqueles
que, minimamente, entendem de economia no Brasil.
Pergunta: O ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio, Luiz Fernando Furlan, declarou recentemente que o
governo, infelizmente, não trabalha em equipe. Eu queria saber se
concorda com ele e o que se pode fazer para chegar a uma sintonia
fina? E gostaria de saber, também, se o Supremo Tribunal Federal
decidir abrir investigação contra o presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, se o governo vai substituí-lo imediatamente
para evitar um tumulto no mercado, na economia, e se a chegada do
Murilo Portugal na equipe econômica já é um primeiro passo nessa
substituição?
Lula: Olha, Tânia, vamos começar dizendo a você que o
Supremo Tribunal Federal tem todos os poderes e não cabe ao
Presidente da República tomar nenhuma decisão de crítica a uma
decisão do Supremo Tribunal Federal. Ora, se o Supremo Tribunal
Federal abrir uma investigação, é uma investigação. Eu só
posso tomar uma atitude quando houver uma conclusão. O que quero
para mim, eu faço para os outros. Eu não quero ser julgado
antecipadamente, eu quero que me dêem o direito de defesa. O fato
de o Supremo começar a investigar, pode chegar no final e concluir
que todas as coisas que foram levantadas contra o Presidente do
Banco Central não tem procedência. Se eu tiver tirado antes, eu
terei criado um problema político desagradável, porque julguei
antecipadamente uma pessoa. Então, vamos esperar a decisão do
Supremo Tribunal Federal.
A segunda, com relação ao ministro Furlan. Eu não sei qual o
contexto que o Furlan disse isso, porque o Furlan é um dos
companheiros que trabalha em equipe. Eu tenho feito questão de
elogiar, sempre que possível, o trabalho conjunto do Ministério
das Relações Exteriores, o trabalho do Ministério da Agricultura
e o trabalho do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, porque são os três ministros que mais têm
ação de política internacional para vender e para comprar coisas
do Brasil.
Eu confesso que, como o Furlan nunca se queixou para mim disso, às
vezes as pessoas preferem contar para os jornalistas do que para mim
mesmo. Eu agradeço ficar sabendo pela tua boca e vou perguntar para
o Furlan qual é o problema de falta de sintonia que existe entre
eles. Até porque, vejam, nós criamos no governo as Câmaras
Setoriais coordenadas pela Casa Civil e o companheiro Furlan
participa de forma assídua nessas Câmaras, talvez seja um dos
ministros que mais participe dessa Câmara porque trata a questão
de exportação, porque trata a questão do desenvolvimento. Agora,
se está havendo um desentendimento como de vez em quando existe na
seleção brasileira, de vez em quando os dois Ronaldinhos não se
entendem, um não passa a bola para o outro, isso não quer dizer
que não haja... que os dois não estejam jogando para o mesmo lado.
Como eu acho que o Furlan é um extraordinário ministro, junto com
o Celso, com o Roberto Rodrigues e os outros meus companheiros eu,
até por curiosidade, vou perguntar para o Furlan qual é a falta de
sintonia que está havendo, para a gente corrigir se houver um
problema dessa ordem.
Pergunta: Presidente, com a vitória do presidente
Severino Cavalcanti, a Câmara passou a andar num ritmo bastante
lento e o senhor já enfrentou pelo menos duas importantes derrotas
lá: a da Medida Provisória 232 e a da LOAS, a Lei Orgânica de
Assistência Social. Eu gostaria de saber, Presidente, se o senhor
se arrepende de não ter pedido ou mesmo exigido maior empenho de
todos que participaram naquele processo para eleger um aliado do
senhor e como o governo está administrando o prejuízo de não ter
um aliado na Presidência da Câmara?
Lula: Primeiro o Severino é meu aliado.
Pergunta: O senhor acha?
Lula: O partido dele faz parte da base de sustentação do
governo. Segundo, o Severino foi eleito presidente da Câmara
concorrendo e cumprindo exatamente as regras existentes na Câmara
para que alguém pleiteasse ser presidente. Sorte dele que ganhou e
azar de quem perdeu. Aquilo é um jogo, muitos poderiam ser
candidatos, ele foi e ganhou. Não estava previsto nos prognósticos
dos cientistas, dos analistas, dos matemáticos, mas ele ganhou.
O Presidente da República não escolhe quem deva ser o Presidente
da Câmara, o Presidente da República estabelece política de
convivência democrática com o presidente da Câmara, qualquer que
seja o partido a que ele pertença e qualquer que seja o discurso
que ele faça todo santo dia.
O Presidente da Câmara tem o poder de conduzir o Poder Legislativo
e fazer com que as coisas aconteçam da melhor forma possível. O
Presidente da República tem a obrigação de governar o Brasil. O
fato de nós perdermos uma ou outra coisa no Congresso Nacional...
deixa eu lhe contar uma coisa: eu sou grato ao Congresso Nacional
por tudo que nós conseguimos fazer nesses dois anos de governo.
O Congresso Nacional aprovou coisas extremamente importantes, coisas
que estavam aí há anos, rolando, como a reforma do Poder
Judiciário, como a reforma tributária, como a reforma da
Previdência, ou seja, foram coisas que mudaram bastante e que o
Congresso Nacional aprovou, sempre por maioria, sempre com muito
debate, sai o debate da Câmara, vai para o Senado, do Senado volta
para a Câmara, aprovou um projeto de biossegurança.
Veja, a Medida 232 teve toda a polêmica que teve, mas no
"frigir dos ovos", foi aprovada a razão pela qual ela foi
criada, que era atender a um apelo dos trabalhadores. Ou seja, se
nós não conseguimos fazer com que a Receita Federal visse
aprovadas algumas coisas que ela entendia que eram importantes para
a tributação no Brasil, o essencial foi aprovado, que era a
questão dos trabalhadores brasileiros que estão contemplados.
A questão da LOAS não foi aprovada ainda, a posição da
comissão, eu penso que as pessoas saberão tratar condignamente,
porque na hora em que você aprovar um benefício, você tem que
olhar o que você tem em casa.
Eu volto a repetir uma coisa que eu digo todo dia,não me canso de
dizer, pode alguém fazer crítica: "mas o Presidente está com
aquelas metáforas que todo mundo já conhece". Mas é para
repetir mesmo, é para repetir. Eu vejo os canais de televisão todo
dia fazerem propaganda deles mesmos, a mesma durante anos. É
importante que façam para a gente saber em que canal a gente está.
Eu trato essas coisas sempre como eu trato a minha vida quotidiana,
sempre. Ou seja, quando se aprova uma lei no Congresso Nacional,
você tem que dizer que você vai gastar tanto, e de onde vai sair o
dinheiro para você gastar, porque quando alguém, na minha casa,
deseja uma coisa, temos que dizer de onde vai vir o dinheiro para
comprar. No país, tem que ser do mesmo jeito. Ninguém pode aprovar
gasto sem aprovar a fonte de receita. É, no mínimo, um absurdo,
principalmente nesse instante, em que demos uma demonstração de
que estamos levando a sério o fato de limitarmos os gastos em 16%
do PIB no Projeto de LDO que mandamos para o Congresso, nos
próximos três anos, ou seja, ao limitar a nossa receita em 16% e o
nosso gasto em 17%, nós vamos ter, cada vez mais, que ter dinheiro
para diminuir os tributos no Brasil e cada vez mais dinheiro para
fazer investimentos que possam gerar mais crescimento econômico
para o país. É assim que tem que funcionar, e eu penso que o
Severino será um colaborador nisso. Tem problema na relação
política dentro do Congresso? Se tiver, é um problema que os
partidos vão ter que resolver. Eu não quero, em nenhum momento,
confundir o papel que cada partido tem, que tem seu líder dentro do
Congresso, com uma ação do governo. O governo vai continuar
fazendo aquilo que precisa ser feito para a boa governança de nosso
país. Como eu digo todo dia, nós estamos em um momento auspicioso
do nosso Brasil, nós temos a chance histórica de fazer com que o
Brasil tenha um ciclo de crescimento duradouro, que possa demorar 15
ou 20 anos, que não seja apenas uma aventura como tantas em que o
povo brasileiro já entrou, e nós achamos que o Congresso Nacional
já é, e pode continuar sendo, um grande parceiro para que tenhamos
solidez na nossa economia, para que possamos fazer mais
distribuição de renda, para que possamos crescer um pouco mais. É
assim que eu penso a Câmara, é assim que eu penso o Senado, e é
assim que eu me relaciono com o Presidente da Câmara, é assim que
eu me relaciono com o Presidente do Senado.
Pergunta: Bom dia, Presidente. Eu falo em nome da Rádio
Gaúcha, de Porto Alegre, mas a pergunta tem o sentimento das outras
rádios que cobrem o Planalto: a Bandeirantes, Católica, CBN,
Eldorado, Guaíba, Itatitaia, Jovem Pan, e também a Rádio Tupi.
Presidente, o senhor foi eleito com a tarefa de melhorar a vida da
população brasileira, de dar melhores condições à população.
Mas o que se vê é que o comprometimento do governo, em termos
financeiros, é muito maior com o pagamento de dívidas, com o
sistema financeiro. Por mês, o governo gasta, com o pagamento de
serviço de dívida, mais do que todo o investimento em
infra-estrutura do ano. E eu gostaria de saber se, na avaliação do
senhor, a realidade da população brasileira, hoje, pode esperar
esse processo, essa divisão de valores, e como é que o senhor
sente essa realidade. O senhor dorme bem com isso?
Lula: Olha, Roberto, não só durmo bem, como acho que
você também dorme bem. Com a consciência tranqüila, de que
estamos fazendo as coisas que podem e que devem ser feitas no
Brasil. Eu vou lhe dar alguns dados para você fazer uma reflexão
quando você for dormir hoje. Nos oito anos do governo anterior, a
média de emprego gerada por mês, era de apenas oito mil empregos.
Nos nossos dois anos, a média de emprego gerada, com carteira
profissional assinada, é de 91 mil empregos, onze vezes mais
empregos, gerados a cada mês, do que nos oito anos do governo
anterior. Isso é uma melhora significativa para o povo. Outra
melhora significativa para o povo, Roberto, é o crescimento do
salário mínimo, que eu acabei de dizer agora. Em 2003, você podia
comprar 1.2 cesta básica por salário mínimo. Você vai poder
comprar duas agora, a partir de 1º de maio, com o reajuste do novo
mínimo para R$ 300,00. É uma melhora substancial. É uma melhora
substancial a indústria brasileira ter tido o maior crescimento dos
últimos 18 anos. É uma melhora substancial o programa Bolsa
Família, que está atendendo a 6 milhões e 700 mil famílias,
garantindo a essas pessoas que não tinham direito à comida, terem
comida. É uma melhora substancial a aprovação do Estatuto do
Idoso que deu mais direito à aposentadoria a pessoas que não
contribuíam, a deficientes. Praticamente, hoje, investimos quase 3
bilhões de reais nesse programa. É melhoria da qualidade de vida
quando a gente consegue colocar, em apenas um ano e meio, 112 mil
adolescentes na universidade quando, historicamente, ao longo dos
últimos anos, nas universidades federais só se renovava 124 mil
vagas por ano. E nós colocamos, além das 124 mil, 112 mil com a
criação do ProUni.
Obviamente que a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, a
gente tem um superávit comercial de 36 bilhões de dólares e isso
nos permitiu romper amigavelmente com o FMI. É melhoria da
qualidade de vida a gente perceber que a média per capita do povo
brasileiro cresceu 3,7% ano passado. Obviamente, Roberto, que você
sabe, como cristão que é, que não dá para a gente fazer, eu não
tenho varinha mágica, lamentavelmente não tenho, espero que na
outra encarnação eu tenha, para poder, com um toque de mágica,
melhorar, fazer com que todo mundo ganhe muito dinheiro, com que
todo mundo possa melhorar de vida.
Mas o que nós estamos fazendo são passos muito sólidos, muito
tranqüilos, sem perder a cabeça um único minuto para que a gente
possa ser julgado, em qualquer momento histórico, em qualquer
governo, das coisas que foram feitas. Eu vou lhe dar um exemplo,
até mudando alguns sinais que no Brasil são corriqueiros. Tudo que
a gente faz para os pobres é contabilizado como gasto. E nós
queremos contabilizar como investimento. É investimento aumentar a
merenda escolar, é investimento contratar professores, é
investimento em apenas dois anos recuperar 75% da defasagem do
dinheiro das universidades federais, é investimento o Bolsa
Família, é investimento o Estatuto do Idoso, é investimento o
Brasil Sorridente, que vai criar 400 centros de saúde bucal neste
país para garantir aos pobres que tenham o direito de ir a um
dentista.
Então, eu durmo com a minha cabeça tranqüila, durmo o sono dos
justos todo santo dia, sempre com a preocupação de que eu preciso
fazer mais, mais e cada dia mais, porque o desejo de fazer é
insaciável da minha parte, muitas vezes limitado por
circunstâncias que não dependem da minha vontade.
Eu queria só dar um dado, quando nós começamos e determinamos
fazer uma forte política internacional, muita gente dizia: "o
que vai fazer na África? O que vai fazer na América do Sul? O que
vai fazer no mundo árabe?" Se você pegar os dados do Banco
Central hoje, você vai perceber o quê? Que o nosso comércio
exterior com a África aumentou as nossas exportações em 45%; o
comércio exterior com a América do Sul aumentou 58%; o comércio
com o mundo árabe aumentou 50%. É por isso que nós, em março,
pudemos comemorar de forma extraordinária o feito inédito do
Brasil chegar a 102 bilhões de dólares de comércio exterior. É
um fato inusitado e vou trabalhar para chegar a 112, depois para
chegar a 120 e, quem sabe um dia, o Brasil tenha um saldo comercial
tão grande que a gente não tenha nenhuma vulnerabilidade e que o
risco-Brasil seja zero. É para isso que eu trabalho, meu querido.
Pergunta: Hoje, o senhor está completando 850 dias aqui,
à frente da Presidência da República, e essa é a primeira
oportunidade desse tipo de debate,que a gente espera que se repita
muitas vezes. Talvez por isso as perguntas se reportem tanto, ainda,
à fase da campanha, essa coisa toda. E eu gostaria de saber: o
senhor acabou de enumerar aqui uma série de qualidades do seu
governo que, de vez em quando, o senhor reclama que nós,
jornalistas, não observamos. O senhor tem feito uma crítica muito
contundente à nossa atuação. Eu gostaria de saber do senhor o
seguinte, aproveitando aqui a sugestão de um companheiro nosso: o
governo também erra?
Lula: Muito.
Pergunta: E quais são os três maiores erros do governo
que o senhor assume responsabilidade sobre eles, pessoalmente?
Lula: Olhe, é difícil reconhecer um erro num governo que
acerta tanto. Mas eu vou dizer alguns erros. Levantou, aqui, um
companheiro, antes, que fez a pergunta, de que possivelmente tenha
sido um erro do governo não ter tido uma participação maior na
sucessão na Câmara. Possivelmente tenha sido. Foi a Zileide que
perguntou, como a história vai perguntar se foi ou não. Nós não
conseguimos fazer as obras nas rodovias brasileiras que eu gostaria
de fazer e que conheço desmandos desde 1992, quando percorri 90 e
poucos mil quilômetros nas caravanas da cidadania. Possivelmente
seja uma coisa muito forte. E, segundo, que eu acho que pode ter
sido um erro nosso, é a gente ainda não ter feito com que os juros
não sejam o único padrão de controle da inflação. Possivelmente
eu possa fazer isso, que é uma busca que eu ainda não consegui.
No máximo, eu acho que pode ter outros erros que, possivelmente...
você não sabe aquela história que o pai nunca vê o defeito do
filho? Para o pai, o filho é o melhor da classe, é o melhor da
rua, é o melhor jogador, é o melhor em um monte de coisas. Só
quando ele conversa com alguém de fora é que ele fica sabendo dos
defeitos do filho. Possivelmente a gente tenha muitos defeitos, que
eu espero que vocês descubram, que vocês publiquem, que vocês
falem para a gente poder ir consertando as coisas, porque são 8
milhões e meio de quilômetros quadrados, mais de 180 milhões de
habitantes e, quem sabe, uns milhares de problemas que nós temos
que resolver neste país.
Eu acho, meu querido Fábio, que eu não conheço um político que
não se queixe da imprensa. Não conheço. Você é capaz de chegar
num político da oposição, ele está se queixando da imprensa, e
você chega num da situação, ele se queixa da imprensa. Eu nunca
vi alguém dizer: "não, essa aí está fazendo o meu
joguinho." Nunca vi. Eu já vim aqui, já vi o presidente
Itamar se queixar, já vi o presidente Sarney se queixar, já vi o
Fernando Henrique Cardoso se queixar, já me queixei, já vi tanta
gente se queixar; e você vai para a oposição é a mesma coisa.
"Não, porque a imprensa só fala do governo, a imprensa não
sei das quantas, o governo."
Eu, no fundo, acho que a imprensa é um bom remédio para a gente
consolidar a democracia em qualquer país do mundo, para fiscalizar
a administração pública municipal, estadual ou federal. E por
mais que você não goste, sem ela nós não teríamos democracia. E
nos momentos históricos em que não tivemos ela, todos nós sabemos
o que pagamos de preço.
Pergunta: O senhor acabou de dizer que os juros não podem
ser o único mecanismo de combate à inflação. Eu gostaria de
saber que outras medidas o governo poderia estar estudando para ter
esse controle da inflação, além da medida de colocar dinheiro no
mercado através de crédito consignado e microcrédito que o senhor
colocou?
Lula: Uma vez, Cristiane, eu ouvi de um homem mais sábio
do que eu a seguinte frase, ele me dizia: "Lula, nem tudo que
você pode fazer na economia, você pode avisar antes, porque se
avisar não faz." Esse homem foi o doutor Ulisses Guimarães
quando era Presidente da Constituinte, e a gente discutia a
política econômica do governo Sarney naquela época.
Eu estou convencido de que os juros não podem ser o único
instrumento para controlar a inflação, se for assim, nós passamos
muita responsabilidade para o Banco Central e tiramos das nossas
costas a responsabilidade, das costas do governo e das costas da
sociedade. Também não vou fazer como já foi feito neste país, e
vocês já viram, porque aqui eu estou vendo alguns jornalistas de
cabelo branco, que têm mais ou menos a minha idade, que
participaram ativamente das coberturas jornalísticas daquela
época.
Vocês já viram gente, em nome de controlar a inflação, levantar
a bandeira de fiscalizar supermercado, muito recentemente em
governos passados no Brasil, vocês já viram helicópteros
sobrevoando o interior de São Paulo procurando boi, porque era
preciso controlar a carne. Nós não vamos fazer isso.
Eu, possivelmente, se tivesse 30 anos, adoraria uma pirotecnia, mas
aos 59 anos de idade, de barba e cabelo branco, eu prefiro fazer as
coisas com o melhor senso possível. Veja, o governo determina uma
meta de inflação, não foi o Banco Central que determinou, foi o
governo. O governo determinou e o Banco Central tem que buscar essa
meta de inflação. Para buscar essa meta de inflação, o Banco
Central só tem um mecanismo: o aumento da taxa de juros.
Para quê? Para conter a demanda, para diminuir o consumo e para
diminuir o preço. Isso em razão do quê? Em razão de que no
Brasil, nós temos determinados setores empresariais, e não todos,
que ainda têm a mentalidade de que, na hora que o consumo começa a
crescer, que ele começa a vender mais unidades, que ele deveria
portanto baixar o preço porque vai ganhar por unidades, ele tenta
recuperar o que ele não ganhou nos anos anteriores, aumentando o
preço porque o seu comércio está bem, porque o seu produto está
vendendo bem quando, na verdade, o consumo aumenta, o preço reduz,
porque ele vai ganhar pela quantidade de unidades que ele vende e
não ganhar como se estivesse tendo que aumentar porque está
produzindo pouco. Então é preciso ganhar mais porque estão
vendendo menos unidades.
Bem, eu tenho dito isso publicamente, ou seja, nós demos um
exemplo. Faz um pouco mais de um mês, o ministro Palocci, o
ministro Furlan se reuniram e decidiram reduzir a alíquota de
importação do aço, havia muita queixa, vocês publicavam muitas
matérias de que o aço está subindo 60% e a indústria
automobilística se queixa. Aumentou demais o aço e nós reduzimos
a alíquota para ver se a gente consegue regular.
Em alguns produtos você pode utilizar isso, mas nós participamos
de um mercado maior do que o Brasil, que é o Mercosul. Nós temos
regras impostas na OMC, portanto, as coisas têm que ser feitas com
mais cuidado. Eu só queria dizer, Cristiane, que nós temos essa
preocupação. Essa preocupação é a primeira do ministro Palocci,
essa preocupação é dos homens do Banco Central e das mulheres do
Banco Central. Essa preocupação é minha, essa preocupação deve
ser do povo brasileiro. Vamos trabalhar para que isso aconteça.
Agora, não vamos brincar com coisas que podem causar muito
prejuízo a este país.
Não faz muito tempo, Cristiane, eu vi neste país as pessoas pobres
irem dormir achando que eram ricas porque acreditavam que todo mundo
ia ter a mesma quantia de dinheiro no banco, manchetes em todos os
jornais. Eu conheço um dirigente sindical que disse o seguinte:
agora o Brasil está bom porque eu tenho a mesma quantia em dinheiro
no bando que tem o doutor Roberto Marinho. Alguns dias depois, nós
descobrimos que não era verdade, que alguns foram mais amigos do
que outros, que alguns puderam tirar o seu dinheiro e fazer tudo que
quisesse fazer, enquanto os trabalhadores continuaram penando.
Conheço outros momentos históricos em que pessoas foram dormir
devendo um e acordaram devendo quatro. Nós não queremos fazer isso
Cristiane. Eu estou disposto – você percebe que eu tenho as
costas largas; isso é coisa de nordestino que não morreu antes de
completar cinco anos de idade, ele vai ficando tarracudo assim –,
eu não pretendo permitir que, em função de um ano eleitoral que
se aproxima, em função da leviandade dos discursos falsos de
alguns, que eu tome qualquer atitude que coloque em risco o que
nós, a duras penas, construímos até agora. Até porque não estou
querendo construir um Brasil para mim. Eu já vivi a minha parcela
de vida no Brasil. Eu estou querendo construir um Brasil para
aqueles que ainda não vieram ao Brasil, para aqueles que não
nasceram e que vão nascer, para os meus netos, é esse Brasil que
eu quero construir. E eu não quero que o Brasil tenha mais aquele
modelo econômico "pulo de galinha". Eu quero que tenhamos
uma coisa sólida, forte, uma coisa que possa dizer "o Brasil
vai crescer, agora por 15 ou 20 anos seguidos; o Brasil vai aumentar
a sua política de comércio exterior; o Brasil vai exportar mais; o
Brasil vai importar mais, porque também nós temos que importar
mais; o Brasil vai estabelecer uma relação muito forte com países
que tenham similaridade com o Brasil". É esse sonho que eu
tenho, e é isso que eu quero construir, e eu acho que nós vamos
construir, certamente, do jeito que estamos fazendo, aprimorando uma
coisa ou outra, mas eu acho que nós estamos no caminho certo.
Pergunta: O senhor acabou de nos expor aqui a angústia
com os juros altos, e lembrou que o Banco Central busca metas de
inflação que o próprio governo definiu, ou seja, o governo tem
essa responsabilidade, o Banco Central busca, então, cumprir essas
metas. Eu pergunto se o senhor considera uma brincadeira discutir
mudanças nas metas de inflação, como defendem alguns de seus
aliados, como o líder do governo no Senado. O senhor acha que essa
discussão é tola, ou o senhor acha que essa discussão pode seguir
adiante?
Lula: Marta, primeiro bom dia, querida. Olhe, eu não
posso dizer que seja brincadeira alguém querer discutir a meta de
inflação no momento em que formos discutir a meta de inflação. O
dado concreto é que temos uma meta de inflação, que era de 4,5 e
passou para 5.1. Essa meta tem uma banda para mais e para menos, e
nós, ao invés de fazermos como aquele aluno – para não falar
dos outros, vou falar dos meus filhos. Os meus filhos falam assim
para mim: "pai, eu estou precisando de três para fechar, mas
se eu tirar um agora, um depois e um depois, eu fecho".
"Por que não tira logo os cinco que tem que tirar, meu
filho?" Nós temos que procurar o centro da meta. Mesmo
procurando o centro da meta, é difícil, porque a pressão é muito
forte. Você sabe, Marta, que no Brasil o controle da inflação de
hoje tem coisas que não tinha há 21 anos atrás, há 30 anos
atrás. Mas você sabe que hoje, você tem uma parte dos preços
dolarizados. Você sabe que você tem uma parte dos preços com
contratos feitos há algum tempo atrás, no setor de telefonia, no
setor energético, no setor de telecomunicações, sobretudo. Ou
seja, que você precisa fazer acordos, se você quiser mudar do IGPM
para o IPCA, você tem que fazer acordos, muita conversa, muita
reunião. Você tem, às vezes, esse aumento de produtos que
poderiam estar mais baratos, mas que as pessoas aumentam. Mas vamos
lembrar que nós tomamos várias medidas de exoneração, de
importação de máquinas para os portos, de bens de capital,
exoneramos parte da cesta básica no nosso país, e isso vai
segurando a inflação. Quando eu digo que o governo tem que fazer a
sua parte, é porque é muito cômodo eu ficar dizendo que o culpado
é o Meirelles, que o culpado é o outro diretor do banco. Não, o
culpado somos nós, que definimos a meta, porque entendemos que é
preciso buscar. E eu, cada vez mais, vou querer uma meta de
inflação que possa colocar o Brasil no patamar dos países
desenvolvidos. Na hora que eu colocar a inflação no patamar dos
países desenvolvidos, certamente, nós vamos colocar os juros
também no patamar dos países desenvolvidos. Eu estou convencido de
que nós vamos conseguir isso. Você sabe que eu sou um homem de
muita fé, de muita crença, e que não desisto nunca. Eu estou
convencido de que vamos conseguir isso e o Brasil vai poder viver
muito melhor. E as pessoas que acham que têm que procurar outra
meta, é uma análise que elas fazem. Quando nós formos discutir,
nós vamos juntar um grupo de companheiros, vamos discutir o que
fazer e aí pode prevalecer cinco, pode cair para quatro, pode cair
para três, pode aumentar para seis. Esse é um assunto que nós
vamos discutir em outro momento. Por enquanto a nossa meta é tentar
chegar aos 5.1% que nós mesmos determinamos. É isso.
Pergunta:...Mesmo que se tenha em risco os investimentos,
a meta que o senhor acha que tem que ser perseguida é essa?
Lula: Pelo menos para este ano a meta é 5.1%. Vamos
perseguir essa meta. Se não conseguirmos é porque não
conseguimos, mas perseguimos. E eu acho que se não chegarmos lá,
chegaremos bem próximo. O que eu quero é não permitir que a
inflação volte a ser o grande ladrão do salário do povo
trabalhador deste país.
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